sexta-feira, 20 de julho de 2012


Neurociência no tribunal
Varreduras cerebrais e outras provas neurológicas raramente são aceitas em julgamentos atuais. Mas algum dia poderão transformar opiniões judiciárias de credibilidade e responsabilidade pessoal

PROVA INACEITÁVEL (POR ORA)
COM A CRESCENTE DISPONIBILIDADE DE IMAGENS CEREBRAIS, CAPAZES DE DESCREVER O ESTADO MENTAL DE Alguém, os advogados estão pressionando os juízes cada vez mais para que aceitem esses exames como provas para demonstrar, por exemplo, que um indiciado não é culpado por motivo de insanidade, ou que uma testemunha está falando a verdade. Os juízes podem aprovar o pedido se concluírem que o júri considerará os exames como um dado corroborante da declaração de um advogado ou uma testemunha, ou se julgarem que a exibição das imagens dará aos jurados uma compreensão melhor de algum aspecto relevante. Mas os magistrados rejeitarão a solicitação caso concluam que as imagens serão demasiado persuasivas por motivos errados, ou porque receberão atenção e peso exagerados. 

Em termos legais, os juízes precisam decidir se a utilização das imagens será “probatória” (tendendo a sustentar uma proposição) ou, alternativamente, “prejudicial” (tendendo a favorecer ideias preconcebidas), podendo, possivelmente, confundir ou induzir o júri em erro. Até agora os juízes – em concordância com a sabedoria convencional da maioria dos neurocientistas e acadêmicos versados em leis – normalmente têm decidido que exames de ressonância magnética e tomografias influenciarão injustamente os júris, além de fornecerem pouco ou nenhum valor probatório. 


Os juízes também excluem rotineiramente os exames de varredura cerebral sob o pretexto de que a ciência não apoia sua utilização como evidência para qualquer condição mental, exceto ferimentos cerebrais físicos. Advogados de defesa criminal podem querer apresentar neuroimagens para provar que indiciados sofrem de uma disfunção cognitiva ou emocional em particular (como falhas de discernimento, moralidade ou controle de impulsos), mas – por enquanto, pelo menos – a maioria dos juízes e pesquisadores concorda que a ciência ainda não está suficientemente avançada para permitir isso.


INFORMAÇÃO DÚBIA


IMAGENS DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL (fMRI) exemplificam um processo que pode oferecer boas informações científicas, das quais muito poucas são legalmente admissíveis. Essa tecnologia é a preferida de pesquisadores que investigam que partes do cérebro estão ativas durante diferentes processos, como ler, falar ou “estar no mundo da lua”. Mas ela não mensura diretamente a ativação das células cerebrais e sim o fluxo sanguíneo que, segundo se acredita, está correlacionado até certo ponto à atividade neuronal. Além disso, para definir o sinal de imageamento associado a um padrão de atividade cerebral em particular, os pesquisadores normalmente devem determinar a média entre muitas imagens de um grupo de teste, cujos padrões cerebrais individuais podem divergir acentuadamente. Uma fMRI de um acusado pode aparentemente diferir muito de um valor médio apresentado no tribunal, mas ainda assim estar dentro dos limites estatísticos do conjunto de dados que definiram essa média. 


Além disso, os cientistas nem sempre conhecem a prevalência de variações normais na anatomia e atividade cerebral da população (ou de grupos dentro dela). Exibir imagens de ressonância magnética funcional de um réu sem dados de um grupo de comparação apropriado pode induzir um júri ao erro. Os juízes já tiveram grande dificuldade para avaliar se deveriam admitir evidências físicas de varreduras cerebrais para comprovar problemas neurológicos ou psiquiátricos que poderiam afetar de alguma forma a culpabilidade de um acusado. Eles poderão enfrentar apuros maiores nos próximos anos, quando tiverem de decidir se neuroimagens podem servir como indicadores de estados mentais mais complexos, como a credibilidade ou honestidade de uma testemunha.



Quando os exemplos precedentes são considerados juntos, emergem questões profundas sobre como a nossa cultura e nossos tribunais lidarão com comportamentos antissociais. Como o neurocientista William T. Newsome, da Stanford University, perguntou, cada um de nós terá um ranking de “responsabilidade” personalizado que poderá ser invocado no caso de infringirmos a lei? Se, como alguns peritos antecipam, em breve todos nós carregaremos nossos históricos médicos pessoais em um cartão de memória para referência, talvez se inclua aí um perfi l deduzido a partir do conhecimento de nosso cérebro e comportamento que capta nossa razoabilidade e irresponsabilidade?

Essa evolução seria benéfica para a sociedade e faria avançar a justiça, ou seria contraproducente? Ela deterioraria as noções de livre-arbítrio e responsabilidade pessoal mais amplamente se todas as decisões antissociais pudessem aparentemente ser atribuídas a algum tipo de desvio neurológico?

Em minha opinião, é importante manter os avanços científicos sobre como o cérebro capacita a mente separados das discussões sobre responsabilidade pessoal. São pessoas, não os cérebros, que cometem crimes. Como já expliquei em outro lugar, o conceito de responsabilidade pessoal é algo que brota das interações sociais. Ela é parte das normas de intercâmbio social, não é uma parte do cérebro.

PROCEDA COM CAUTELA

APESAR DE MUITOS INSIGHTS estarem se originando da neurociência, descobertas recentes de pesquisas sobre a mente juvenil destacam a necessidade de proceder com cautela ao incorporar essa ciência à lei. Em 2005, no caso Roper v. Simmons, a suprema corte americana considerou que a execução de um réu que cometeu um assassinato aos 17 anos ou menos era uma punição cruel e incomum. O tribunal baseou sua opinião em três diferenças entre adolescentes e adultos: os jovens sofrem de uma impetuosa falta de maturidade e responsabilidade; eles são mais suscetíveis a influências negativas e não têm independência para se afastar de situações comprometedoras; e o caráter de um jovem ainda não está tão definido como o de um adulto. Embora o tribunal compreendesse que estava traçando uma linha arbitrária, determinou que nenhuma pessoa menor de 18 anos à época de um crime poderia receber a pena de morte.

Independentemente das conquistas que os avanços da neurociência possam ter, todos deveríamos observar cuidadosamente como eles devem ser incorporados à nossa cultura. A relevância judicial de descobertas neurocientíficas é apenas uma parte do todo. Algum dia vamos querer exames de ressonância magnética cerebral de nossos noivos/noivas, sócios ou políticos, mesmo que os resultados não resistam a um teste no tribunal? À medida que a compreensão científica da natureza humana continuar a evoluir, nossa postura moral em relação a como gostaríamos de administrar uma sociedade justa também mudará. Ninguém que eu conheça quer se precipitar para um novo sistema sem que cada nova descoberta seja analisada com extremo cuidado. Ainda assim, ninguém pode ignorar as mudanças no horizonte.


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